“Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e jamais te esqueças de todos os seus benefícios.” Sl 102, 2
Padre, tenho que falar com o senhor agora.” Então, ele me respondeu surpreso “Agora, estou um pouco ocupado, que tal depois?” e eu disse com convicção “Padre, é questão de vida ou morte”. Ele empalideceu assustado com o meu comentário e aceitou falar comigo naquele mesmo momento.
Era janeiro de 2016, eu estava num avião viajando de Manila a Roma. Havia participado como tradutor do Congresso Eucarístico Internacional nas Filipinas. Foi realmente uma experiência singular. Nunca imaginei que um dia ajudaria a evangelizar na Ásia, tão longe do meu querido Brasil. Pude conhecer pessoas de vários lugares do mundo, fazer novos amigos, aprender da cultura oriental – tão rica e peculiar – e o mais importante partilhar com tanta gente a minha fé e amor a Jesus Cristo. No vôo de regresso lembrava de um retiro que tinha feito 10 anos antes para pensar sobre entrar no seminário. Naquele retiro, durante uma adoração eucarística, me veio uma luz forte que fez arder meu coração. Pensei em quantas pessoas neste mundo não conheciam Jesus. Duas de cada três pessoas não são cristãs. Quem vai falar de Jesus para elas? Eu percebi que Deus me chamava. Vibrava em mim o desejo de ir até os confins do mundo para compartilhar a alegria de ser amigo de Cristo. Agora, exatamente dez anos depois eu estava no outro lado do mundo fazendo exatamente isso.
Então, como tudo começou? Quando eu tinha quinze anos um amigo do colégio, chamado Rafael, me convidou para participar de um grupo de oração da Renovação Carismática na nossa paróquia. Aceitei o convite, um pouco sem saber o que esperar. Depois de alguns dias estávamos com alguns amigos rezando numa igreja. Eu comentei que não conseguia orar, pois me sentia indigno de falar com Deus. O Rafael abriu a Bíblia e aleatoriamente leu a seguinte passagem: “O Senhor não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos castiga em proporção de nossas faltas, porque tanto os céus distam da terra quanto sua misericórdia é grande para os que o temem” (Sl 102, 10-11). Senti imediatamente uma profunda paz e pela primeira vez experiementei ser amado por Deus de verdade.
Nessa ocasião escutei falar dos movimentos da Igreja. Era algo novo para mim. O Rafael explicou-me que Deus através dos movimentos chamava algumas pessoas para participarem de um carisma e espiritualidade especiais dentro da Igreja, como era o caso da Renovação Carismática Católica. Quando ele falou isso, senti no fundo do coração a certeza de que Deus me chamava para um movimento. Agora eu tinha que descobrir a qual movimento Ele me chamava.
Eu comecei a buscar vários grupos e sempre que conhecia algum, procurava participar de alguma atividade para ver como era. Cada vez que que conhecia um novo movimento me surpreendia como Deus concedia dons especiais para a Igreja. No entanto, com o passar do tempo não sentia que aqueles grupos que conheci eram para mim, e percebia que devia continuar procurando.
Em 2004, Deus colocou no meu caminho o Regnum Christi. Naquela época u estudava direito na Universidade Federal do Paraná. Uma amiga da minha mãe, a Tia Célia, membro do Regnum Christi falou a respeito dos Legionários de Cristo para ela. Um dia era marcou um jantar na sua casa com os legionários. Estavam presentes dois padres e um jovem colaborador. O que mais me impressionou foi o exemplo do colaborador. Ser colaborador no Regnum Christi significa entregar um ano da minha vida como voluntário para a Igreja e ter a oportunidade de viver em uma comunidade religiosa, fazer apostolado, conhecer mais a fé católica e enriquecer-se espiritualmente. E o melhor de tudo é que não precisava ser seminarista! Eu queria fazer a mesma experiência daquele jovem.
O colaborador se chamava Vinícius e nos tornamos bons amigos. Ele me convidou mais tarde para um acampamento no Pico do Paraná, uma da montanha muito alta que está perto de Curitiba. Fomos com outros três jovens e dois padres legionários. Impressionou-me de modo especial a caridade e o exemplo dos legionários. Depois do acampamento com frequência pensava em como seria bom estar mais próximo de Deus a exemplo dos legionários.
Nos seguintes meses comecei a participar com meu irmão André das missões de evangelização da Juventude Missionária, um apostolado do movimento Regnum Christi. Era como se o Regnum Christi tivesse sido feito para mim. Aquela busca de 5 anos chegava ao fim. Sentia uma identificação muito profunda com o movimento, em particular pelo desejo de conhecer a fé e evangelizar. Todo o momento era uma oportunidade para transmitir a Cristo e a alegria de segui-lo. Por isso, decidi aderir ao Regnum Christi.
Alguns meses depois, eu ia à Universidade para fazer uma prova de direito constitucional. Quando cheguei na sala de aula um dos meus melhores amigos, Glauber, veio falar comigo. Estava muito sério. “Temos que conversar depois da prova, eu te espero na entrada”. Durante a prova eu me perguntava o que tinha acontecido, ele parecia muito preocupado. Quando terminei, sai da sala e vi que o meu amigo já me esperava nas escadarias da Universidade. Então recebi uma notícia muito dolorosa: Paulo Henrique, que era seu primo e meu amigo, havia morrido num acidente de ônibus no dia anterior.
Ao escutar iso, minha alma se inundou de tristeza e desconcertado fui à Catedral que ficava perto da universidade. Quando cheguei ali, a missa estava apenas começando. Pedi pela alma do PH e senti um vazio muito grande. Refletia sobre a fragilidade da vida humana. Alguns dias antes tinha conversado com PH e agora ele estava morto. “E a minha vida? O que estou fazendo com ela?”. Queria algo que valesse a pena, queria fazer algo para Deus. A primeira coisa que me veio à mente era fazer uma experiência nos Legionários de Cristo e entregar minha vida como sacerdote no Regnum Christi. Quando pensei nisso, meu coração ardeu de emoção. Lembro que cheguei em casa, peguei o telefone e liguei para um sacerdote legionário. Mas antes que ele atendesse, desliguei. “E a minha família, a minha namorada, o que vou fazer com a faculdade?” Um grande temor me abateu. Decidi não ligar e ignorar os meus sentimentos.
Os meses passavam, e sempre que eu ia na missa os mesmos pensamentos retornavam. No momento da consagração, quando o sacerdote levantava a hóstia que se transformava no Corpo de Cristo, meu coração ardia com o desejo de me consagrar a Deus como sacerdote. Mas quando a missa acabava e eu saia da Igreja, o medo voltava e eu silenciava meu interior.
Quase um ano depois, no dia 1º de outubro, festa de Santa Teresinha do Menino de Jesus, durante uma adoração, um dos meus amigos do Regnum Christi anunciou que em breve faria uma experiência no seminário dos legionários. Eu fiquei surpreso, pois não esperava isso desse amigo. Era um testemunho impactante para mim, ele tinha apenas dezessete anos e já mostrava essa coragem de entregar a vida a Deus. E eu com vinte e dois anos tinha tanto medo! Senti um impulso interior de falar com o legionário que era meu diretor espiritual. “Padre, tenho que falar com o senhor agora.” Ele me respondeu surpreso “Agora, estou um pouco ocupado, que tal depois?” e eu disse com convicção “Padre, é questão de vida ou morte”. Ele empalideceu assustado com o meu comentário e aceitou falar comigo naquele mesmo momento. Eu disse tudo o que tinha acontecido, tudo o que sentia e as idéias que tinha. Ele me escutou com atenção e me convidou a iniciar um processo de reflexão e oração sobre o plano de Deus para mim.
Os meses seguintes foram uma experiência profunda do amor de Deus. Eu sentia-me verdadeiramente cuidado por Ele. Foi um tempo de oração, escuta e diálogo com pessoas que me ajudaram de forma marcante. Fiz duas visitas ao seminário dos Legionários de Cristo para conhecê-los melhor e isso me ajudou a confirmar que Deus me queria ali. A dificuldade de deixar minha família e amigos era enorme, mas a alegria que Deus me concedia ao segui-lo era maior.
Hoje, eu olho para atrás após onze anos e vejo que valeu a pena. Deus é um Pai amoroso, que sempre nos dá graças que superam nossas expectativas. Nós só temos que confiar e segui-lo. Sou agradecido por tudo o que Ele fez na minha vida. Também agradeço o carinho e paciência da minha família, sem a qual eu não teria forças para continuar. Enfim, o meu obrigado se dirige igualmente à Legião de Cristo e ao Regnum Christi, a todos os sacerdotes, irmãos, consagrados e consagradas, e leigos que me acolheram e me prepararam nestes anos para esta missão tão maravilhosa que começa agora. “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e jamais te esqueças de todos os seus benefícios.” Sl 102, 2